terça-feira, 13 de janeiro de 2009

As Minhas Poesias

Recife Antigo



Nos botequins de ontem,
relembro velhos e novos amores
e carrego, por ruas e becos,
o presente e o passado,
simbiose de eterna saudade.
Então, batem as lembranças:
nada mudou no Recife Antigo,
onde poetas, bêbados e vagabundos
vagueiam, à noite, feitos zumbis.

Somos os sonâmbulos da boemia,
animais sedentos de amor e de paixão,
que recolhem pedaços da carne
só para salvar a alma e, assim,
alcançar o perdão.
Nada mudou no Recife Antigo,
onde as faces sofridas se multiplicam
iguais e com sulcos talhados de dor...

Somos os compositores das canções da vida,
os poetas dos poemas passageiros,
os artesãos que juntam trapos e confeccionam,
diuturnamente, o eterno uniforme do Recife Antigo.
Formamos o cordão dos desesperados,
de alegrias furtivas, de sonhos perdidos
e de vontades saciadas, quase sempre,
em corpos estranhos.

Mas, nada mudou no Recife Antigo,
onde a sinfonia prossegue até o clarear dos arrecifes.
E, nós, em passos trôpegos, buscamos a Estrela Guia,
entoando o canto mágico do faz de conta.
Assim, transformamos o nada em tudo
e o imaginário em imaginação,
enquanto a música melosa é ouvida mais forte
nos puteiros do Recife Antigo.
Onde, nada muda...



Agosto

A ventania varre o Recife todo.
É agosto. Mas, não varre a miséria,
a sujeira e a indignidade.
Porém, prenuncia o calor do verão.
É o mês do desgosto?


Nas ruas, becos e pontes, esvoaça saias,
despe o recato e reimagina vontades,
enquanto as mulheres sonham com
a vadiação...
Alegria?

Aos homens, suscita o bem-querer
e estimula a bebedeira do dia-a-dia.
Agosto, desgostos, vontades e vadiação...
Apocalipse das tentações?


Choramingar da viola

O choramingar da velha e ensebada viola
emite sons que parecem rezas abençoadas
por santos puros e impuros:
Sacrilégio?

O choramingar da velha e ensebada viola
entoa cânticos em dias de festas nas antigas
ruas e igrejas:
Profano e Religioso?

O choramingar da velha e ensebada viola
ecoa no oráculo sem perdão dos rituais sacramentos
e dos sentimentos do povo:
Inquisição?

O choramingar da velha e ensebada viola
já não alcança a surdez dos desertos de hoje:
A bença, mãe! A bença, pai!
Salvação?


Desabafo

Eu queria falar
Faltaram palavras
Eu queria gritar
Faltou voz
Eu queria chorar
Faltaram lágrimas
Eu queria sorrir
Faltou alegria
Eu queria ser bom
Faltou compreensão
Eu queria ser mau
Faltou coragem
Eu queria ter fé
Faltou crença
Eu queria ser feliz
Faltou você

Sinfonia dos Vagabundos

Vagabundos, uni-vos!
Vinde louvar o Recife e
compor a Sinfonia dos poetas,
boêmios e miseráveis.
Vaguemos pelas ruas sujas e
fétidas, onde chagas de dor
e de desespero são expostas na
Sinfonia de todos os dias.

Vagabundos, uni-vos!
Vinde louvar o Recife e
ouvir a ladainha das devotas
beatas a compor a Sinfonia
dos pecadores de corpo e de alma.

Vagabundos, uni-vos!
Vinde louvar o Recife e
cantar o frevo-canção de dor,
de tristeza e de saudade,
num cântico excêntrico da
Sinfonia dos Vagabundos...



Eu sou Capibaribe

Dos mangues do rio arranquei
a carne da sobrevivência:
as iguarias das mesas das sirigaitas.

Das águas do rio tirei
o som da flauta;
a composição dos pássaros,
a sinfonia de todos os cânticos.

Vim de muito longe,
passei por Beberibe;
eu sou recifense,
eu sou Capibaribe.

Nas correntezas do rio embalei
os nossos sonhos,
o mergulho profundo:
ora vida, ora morte.

Vim de muito longe,
passei por Beberibe;
eu sou recifense,
eu sou Capibaribe.

* A Zé da Flauta


Mulher

Mulher-menina
Mulher-amiga
Mulher-briga (ou intriga)
Mulher-amada (ou desejada)
Mulher-amor,
Ah, o amor!

Amor-gostoso
Sem aval (ou endosso)
Amor-verdade
Amor-instinto
Amor-paixão
Amor-amor
Mulher-saudade


Ah, essa mulher bonita!

Ah, essa mulher bonita!
Inventa e reinventa modas.
Primeiro, ajustando o corpo
e, depois, a alma,
só para nos agradar.
Por isso, suave é o dia,
doce é essa mulher...
Sorriso delicado, ar atrevido,
espírito irreverente, misto de
mulher e menina, um quê de moleca
com um quê de sensual...
Enigmas em sintonia
com o verde-azul do mar...
Ah, essa mulher bonita!
Por isso, suave é o dia,
doce é essa mulher...


Folião Sem Nome

Folião sem nome,
perdido no meio do racha,
homem mulher e criança,
passos quase sem graça

Olhos eufóricos de sonhos,
suor regado à cachaça,
segue folião sem nome
alegre no bloco que passa

Ferver, frever, frevar,
ritmo e dança de uma raça,
vai folião sem nome
frevar o frevo na praça...



Águas do Mar

Há um cheiro de mulher no ar,
uma mistura com o cheiro
das águas do mar.

Há corpos seminus,
deitados nas areias mornas
do mar.

Há mulheres nas ruas: negras,
brancas, loiras, morenas, mulatas,
todas com o gosto dos frutos
do mar.

Há olhares, gestos, promessas e
sorrisos entre homens e mulheres,
em cumplicidade com o sol e
embalados nas ondas
do mar.

Há ternura, solidão, juras de amor,
paixões desenfreadas, que só o
verão recifense pode dar
nas águas do mar


Domingo Doce

Menina-moça,
igual a tantas outras:
alegres e sonhadoras,
fazendo da vida o presente
e do presente o futuro.
Na esquina, parada,
próxima ao parque,
lambia o pirulito
como se o domingo
fosse um doce e
nunca tivesse fim.

Na freada brusca,
um gemido abafado.
No chão, a menina-moça,
de pirulito na mão, contempla
de olhos abertos o domingo,
como se ele fosse um doce e
nunca tivesse fim.
Na face da mãe,
o grito da dor eterna,
embora o domingo continuasse doce,
assim como o pirulito e
a menina-moça...

Almas do Recife

Versos, versos e mais versos
a povoar de almas o Recife.
Poemas em cada esquina,
em cada bar, em cada desilusão
enchem e perfumam ruas e bairros:
da Aurora ao Recife Antigo.
São pedaços de cada um de nós,
poetas, vivos ou mortos.
Eles, como nós, teimam em poemar
a vida no Recife e a não
dormir com a morte.
Versos, versos e mais versos!
Assim são os poetas
a povoar de almas o Recife.


Poetas do Recife

Perfume de poemas no ar,
casario repleto de fantasmas
que saem, quase sempre, em busca
da boemia do Recife Antigo.
São os poetas da vida, das ruas,
do bairro, do mar, dos arrecifes.
Andarilhos em busca
do bálsamo para a desilusão,
dos braços quentes e fogosos das
mucamas dos dias de hoje,
não mais amas das sinhazinhas fidalgas,
mas serviçais dos desejos da carne.

Do livro o Recife & Outros Poemas (Robson Sampaio) - Maio 2007

Ps: O livro está à venda na Livraria Cultura, no Shopping Paço Alfândega (Bairro do Recife) e na Livraria Geraçâo 65 (Casa da Cultura - Centro do Recife).

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