sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

Poesias

Poesias de Robson Sampaio

AntiCristo?

Ele não nasceu numa manjedoura,

nasceu na favela mesmo.

Não teve uma linda estrela a guiar

os passos de ilustres visitantes,

mas, apenas, uma vela acesa e uma

solidão a dois.

Não teve José e Maria,

só teve Severina mesmo.

Não cresceu feliz ao lado dos pais e

nem era dotado de luz.

Cresceu nos becos e nas esquinas

das ruas sujas,

povoadas de vícios e misérias.

Não ensinou o bem,

porque só aprendeu o mal.

Não fez milagres,

porque já não existem milagres.

Em comum com Jesus,

só mesmo o sofrimento e,

talvez, a morte.

Por causa da maldade dos homens,

um morreu crucificado na cruz

para salvar a todos nós.

Enquanto ele, crivado de balas,

numa rua imunda,

com o título de marginal.

Nem por isso, são tão diferentes.


Recife Antigo Ilustração 1 Felic – Lamparinas

Nos botequins de ontem,

relembro velhos e novos amores

e carrego, por ruas e becos,

o presente e o passado,

simbiose de eterna saudade.

Então, batem as lembranças:

nada mudou no Recife Antigo,

onde poetas, bêbados e vagabundos

vagueiam, à noite, feitos zumbis.

Somos os sonâmbulos da boemia,

animais sedentos de amor e de paixão,

que recolhem pedaços da carne

só para salvar a alma e, assim,

alcançar o perdão.

Nada mudou no Recife Antigo,

onde as faces sofridas se multiplicam

iguais e com sulcos talhados de dor...

Somos os compositores das canções da vida,

os poetas dos poemas passageiros,

os artesãos que juntam trapos e confeccionam,

diuturnamente, o eterno uniforme do Recife Antigo.

Formamos o cordão dos desesperados,

de alegrias furtivas, de sonhos perdidos

e de vontades saciadas, quase sempre,

em corpos estranhos.

Mas, nada mudou no Recife Antigo,

onde a sinfonia prossegue até o clarear dos arrecifes.

E, nós, em passos trôpegos, buscamos a Estrela Guia,

entoando o canto mágico do faz de conta.

Assim, transformamos o nada em tudo

e o imaginário em imaginação,

enquanto a música melosa é ouvida mais forte

nos puteiros do Recife Antigo.

Onde, nada muda...

Agosto Ilustração 2 - Jarbas

A ventania varre o Recife todo.

É agosto. Mas, não varre a miséria,

a sujeira e a indignidade.

Porém, prenuncia o calor do verão.

É o mês do desgosto?

Nas ruas, becos e pontes, esvoaça saias,

despe o recato e reimagina vontades,

enquanto as mulheres sonham com

a vadiação...

Alegria?

Aos homens, suscita o bem-querer

e estimula a bebedeira do dia-a-dia.

Agosto, desgostos, vontades e vadiação...

Apocalipse das tentações?

Choramingar da viola Ilustração 3 – Silvio Hansen

O choramingar da velha e ensebada viola

emite sons que parecem rezas abençoadas

por santos puros e impuros:

Sacrilégio?

O choramingar da velha e ensebada viola

entoa cânticos em dias de festas nas antigas

ruas e igrejas:

Profano e Religioso?

O choramingar da velha e ensebada viola

ecoa no oráculo sem perdão dos rituais sacramentos

e dos sentimentos do povo:

Inquisição?

O choramingar da velha e ensebada viola

já não alcança a surdez dos desertos de hoje:

A bença, mãe! A bença, pai!

Salvação?

Desabafo Ilustração 4 – Daniel Santiago

Eu queria falar

Faltaram palavras

Eu queria gritar

Faltou voz

Eu queria chorar

Faltaram lágrimas

Eu queria sorrir

Faltou alegria

Eu queria ser bom

Faltou compreensão

Eu queria ser mau

Faltou coragem

Eu queria ter fé

Faltou crença

Eu queria ser feliz

Faltou você

Sinfonia dos Vagabundos Ilustração 5 - Wilton de Souza -

Falta colocar a ilustração no CD

Vagabundos, uni-vos!

Vinde louvar o Recife e

compor a Sinfonia dos poetas,

boêmios e miseráveis.

Vaguemos pelas ruas sujas e

fétidas, onde chagas de dor

e de desespero são expostas na

Sinfonia de todos os dias.

Vagabundos, uni-vos!

Vinde louvar o Recife e

ouvir a ladainha das devotas

beatas a compor a Sinfonia

dos pecadores de corpo e de alma.

Vagabundos, uni-vos!

Vinde louvar o Recife e

cantar o frevo-canção de dor,

de tristeza e de saudade,

num cântico excêntrico da

Sinfonia dos Vagabundos...

Eu sou Capibaribe Ilustração 6 – Silvia Pontual

Dos mangues do rio arranquei

a carne da sobrevivência:

as iguarias das mesas das sirigaitas.

Das águas do rio tirei

o som da flauta;

a composição dos pássaros,

a sinfonia de todos os cânticos.

Vim de muito longe,

passei por Beberibe;

eu sou recifense,

eu sou Capibaribe.

Nas correntezas do rio embalei

os nossos sonhos,

o mergulho profundo:

ora vida, ora morte.

Vim de muito longe,

passei por Beberibe;

eu sou recifense,

eu sou Capibaribe.

* A Zé da Flauta

Mulher

Mulher-menina

Mulher-amiga

Mulher-briga (ou intriga)

Mulher-amada (ou desejada)

Mulher-amor,

Ah, o amor!

Amor-gostoso

Sem aval (ou endosso)

Amor-verdade

Amor-instinto

Amor-paixão

Amor-amor

Mulher-saudade

Ah, essa mulher bonita!

Ah, essa mulher bonita!

Inventa e reinventa modas.

Primeiro, ajustando o corpo

e, depois, a alma,

só para nos agradar.

Por isso, suave é o dia,

doce é essa mulher...

Sorriso delicado, ar atrevido,

espírito irreverente, misto de

mulher e menina, um quê de moleca

com um quê de sensual...

Enigmas em sintonia

com o verde-azul do mar...

Ah, essa mulher bonita!

Por isso, suave é o dia,

doce é essa mulher...

Folião Sem Nome Ilustração 7 - Paulo Bruscky e Daniel Santiago

Folião sem nome,

perdido no meio do racha,

homem mulher e criança,

passos quase sem graça

Olhos eufóricos de sonhos,

suor regado à cachaça,

segue folião sem nome

alegre no bloco que passa

Ferver, frever, frevar,

ritmo e dança de uma raça,

vai folião sem nome

frevar o frevo na praça...

Águas do Mar

Há um cheiro de mulher no ar,

uma mistura com o cheiro

das águas do mar.

Há corpos seminus,

deitados nas areias mornas

do mar.

Há mulheres nas ruas: negras,

brancas, loiras, morenas, mulatas,

todas com o gosto dos frutos

do mar.

Há olhares, gestos, promessas e

sorrisos entre homens e mulheres,

em cumplicidade com o sol e

embalados nas ondas

do mar.

Há ternura, solidão, juras de amor,

paixões desenfreadas, que só o

verão recifense pode dar

nas águas do mar

Domingo Doce Ilustração 8 – Silvio Hansen

Menina-moça,

igual a tantas outras:

alegres e sonhadoras,

fazendo da vida o presente

e do presente o futuro.

Na esquina, parada,

próxima ao parque,

lambia o pirulito

como se o domingo

fosse um doce e

nunca tivesse fim.

Na freada brusca,

um gemido abafado.

No chão, a menina-moça,

de pirulito na mão, contempla

de olhos abertos o domingo,

como se ele fosse um doce e

nunca tivesse fim.

Na face da mãe,

o grito da dor eterna,

embora o domingo continuasse doce,

assim como o pirulito e

a menina-moça...

Almas do Recife Ilustração 9 – Foto: Maurício Coutinho

Versos, versos e mais versos

a povoar de almas o Recife.

Poemas em cada esquina,

em cada bar, em cada desilusão

enchem e perfumam ruas e bairros:

da Aurora ao Recife Antigo.

São pedaços de cada um de nós,

poetas, vivos ou mortos.

Eles, como nós, teimam em poemar

a vida no Recife e a não

dormir com a morte.

Versos, versos e mais versos!

Assim são os poetas

a povoar de almas o Recife.

Poetas do Recife Ilustração 10 - Felic

Perfume de poemas no ar,

casario repleto de fantasmas

que saem, quase sempre, em busca

da boemia do Recife Antigo.

São os poetas da vida, das ruas,

do bairro, do mar, dos arrecifes.

Andarilhos em busca

do bálsamo para a desilusão,

dos braços quentes e fogosos das

mucamas dos dias de hoje,

não mais amas das sinhazinhas fidalgas,

mas serviçais dos desejos da carne.

Especial

Cartão do prefeito Gilberto Marques Paulo – 1 página

Ilustração e Texto 11

Entardecer

O mistério do entardecer no verão recifense

ilumina o Capibaribe e reflete a alma:

Pernambuco.

O mistério do entardecer no verão recifense

anuncia o som dos clarins de Momo:

Passo e frevo.

O mistério do entardecer no verão recifense

sugere águas mornas e areias quentes:

Azul do mar.

O mistério do entardecer no verão recifense

reacende o calor das mulheres que brincam de sedução:

Vontades ardentes.

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